As redes sociais e o estímulo premiado à violência do trânsito, por Fernando Pedrosa

15/02/2020 às 11:17 am

Desde que o antecedente do homem desceu da árvore e, com sua inteligência privilegiada, passou a dominar os demais seres vivos e a evoluir houve perdas e ganhos. Ao longo dos milênios até os dias de hoje o desafio tem sido encontrar o perfeito equilíbrio entre os valiosos benefícios dos avanços e os inevitáveis efeitos do que – ou de quem – ficou para trás.

Com o advento da rede mundial de computadores inúmeras fronteiras foram dizimadas. A comunicação instantânea, independente de tempo e espaço, passou a ser usada freneticamente, ligando pessoas em todo o mundo, materializando o conceito da “Aldeia Global”, concebido na década de 60 pelo professor canadense Marshall McLuhan, que previu uma nova visão do mundo através do desenvolvimento das modernas tecnologias.

Os avanços foram magníficos e absolutamente necessários. Mas, com eles, algumas consequências negativas vieram na esteira desse cometa, quase todas imprevistas, mas com certeza evitáveis.

No universo do trânsito o fenômeno não foi diferente. A utilização de modernas tecnologias embarcadas tornou os veículos cada vez mais seguros. Equipamentos de proteção individual como os cintos de segurança, os assentos infantis, os capacetes para motos, dentre outros aumentaram sobremaneira a capacidade de sobrevivência daqueles que, por decisão do destino, se envolveram em acidentes de sérias proporções. A fiscalização, apoiada por equipamentos óticos precisos, se revelou muito mais eficiente e presente, sendo hoje indispensável para a segurança e a tranquilidade do ir-e-vir nas ruas e estradas.

Na comunicação, hoje é possível a qualquer condutor, sem sair do conforto de sua cadeira, saber se foi multado se está perto do limite de pontos, agendar serviços, fazer cursos online e até pagar taxas e tributos. Pelas redes sociais, fazem queixa, criam grupos de discussão, tiram e esclarecem dúvidas formando assim uma conscientização positiva sobre esse gigantesco espaço democrático que chamamos de trânsito.

Mas há um lado obscuro e, ainda, imperceptível na evolução tecnológica da comunicação de trânsito. As redes sociais se tornaram, também, o espaço mais utilizado para os exibicionistas que, conscientes ou não, fazem a promoção da infração de trânsito e, na maioria das vezes, a incitação a crimes. O principal fator é que os autores dessas manifestações narcisistas e perigosas, não imaginam (ou se imaginam, não se importam) que o fato de publicar comentários, fotos e vídeos com práticas irregulares, ilegais e até criminosas que atraem milhares de seguidores, contribui para o aumento das ocorrências trágicas no trânsito e, exatamente por isso, devem ser caracterizados como um verdadeiro incitamento à violência (e, por ser virtual, muito mais contagiante) e que deveria culminar na instalação de um processo criminal com base no Código Penal (Artigo 286) e, também, numa atualização do Código de Trânsito Brasileiro, com a devida tipificação da conduta no capítulo 19 da lei 9.503/1997, que trata dos Crimes de Trânsito.

De forma geral, infelizmente, as postagens sobre trânsito com maior poder de sedução e de atração de seguidores não são aquelas educativas, voltadas para comportamentos que previnam os riscos e privilegiem a segurança. Ao contrário, são aquelas com pseuda demonstrações de perícia e controle, onde jovens se exibem no comando de veículos em vias públicas em velocidades absurdas e praticando manobras suicidas.

Incitar é estimular a prática de um determinado crime ou ato ilegal de forma pública. No ato da incitação, o crime ainda não ocorreu, mas existe um estímulo, um incentivo consciente para a sua prática por quem assiste, admira e quer repetir o que foi exibido.

O fato de as pessoas olharem para a internet como um “ambiente sem leis”, e confundirem os limites da liberdade de expressão com a absoluta falta de bom senso no que é divulgado, colaboram imensuravelmente para que tais crimes sejam praticados.

Até as plataformas que veiculam as imagens, empresas gigantescas, milionárias e dotadas de um exército internacional de especialistas que controlam o conteúdo postado, não percebem o mal que fazem quando estimulam e premiam “influenciadores” pelo número de seguidores que ostentam sem se atentar para a nocividade do conteúdo que divulgam.

Existe um grande desafio pela frente em combate aos crimes cibernéticos de forma geral, seja pela necessidade de criação de leis específicas, seja pelo melhor enquadramento das leis que se tem hoje. Não se deve esquecer que a liberdade de expressão possui limites, e garantir a segurança e manter o respeito aos direitos humanos é o principal.

Fernando Pedrosa é especialista em prevenção e segurança no trânsito e diretor do ITTS

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