Trânsito mais tecnológico também exige atenção humana

07/11/2018 às 1:15 pm

Publicado em Estadão 

Sim, o futuro está logo ali e novas tecnologias estão chegando às rodovias brasileiras. Depois de cancela eletrônica, em que o pagamento da tarifa é automático e o usuário não precisa parar na cancela, e de sistemas inteligentes de monitoramento dinâmico das vias, outras inovações chegarão em breve.

Até o final deste ano, a Arteris ViaPaulista – concessionária que administra quase 300 quilômetros que ligam Araraquara às cidades de Avaré, Botucatu e Itaporanga, no interior de São Paulo – contará, por exemplo, com conexão wifi em toda a extensão da malha concedida. Já os veículos que trafegam nas rodovias vêm ganhando cada vez mais sistemas de segurança e assistência embarcados para auxiliar o condutor em seu trajeto, reduzindo assim a ocorrência de acidentes, em um caminho em direção aos carros autônomos.

Trata-se de tecnologias que oferecem vantagens aos usuários, como maior comodidade e segurança, porém, ainda dependem da própria ação humana para serem realmente efetivas. “Mesmo com as condições tecnológicas que permitem rodovias melhores, a conscientização do motorista em relação à segurança continua a mesma. Seu papel é fundamental para evitar acidentes”, explica o professor David Duarte, presidente do Instituto de Segurança no Trânsito (IST), de Brasília (DF). Um dos problemas é enfrentar a cultura dos motoristas que acreditam que estradas com melhores condições permitem arriscar mais, como andar em velocidade mais alta que o permitido, do que naquelas em que as condições não sejam tão adequadas. “Apesar das rodovias modernas minimizarem os danos num acidente, os riscos existem”, alerta o especialista. Segundo ele, essa proteção, chamada segurança passiva, acontece pela presença de itens como instalação de muretas adequadas, retirada de postes, áreas de absorção de impacto e faixas com sonorizadores no solo, entre outras.

Pedágios high-tech exigem mais atenção

Um dos fatores que mais impacta no número e na gravidade dos acidentes é a velocidade. Segundo o presidente do IST, além dos motoristas que abusam do limite em toda a extensão das rodovias, há aqueles que não dão a devida atenção aos avisos para reduzi-la em trechos específicos, como na chegada às praças de pedágio. Nesses casos, uma tecnologia desenvolvida para facilitar a vida de todos – as cancelas automáticas –, passou a ser usada por alguns motoristas de forma abusiva. Ao não respeitar o limite estabelecido, eles acabam comprometendo a própria segurança e também a de outros usuários da rodovia e de trabalhadores que atuam no local. “O motorista tem que entender que ele vai ganhar tempo de qualquer jeito, mesmo com velocidade mais baixa. E ele tem que estar preparado para eventualidades. No pedágio não dá para andar como no restante da rodovia”, afirma David Duarte.

Novos sistemas de monitoramento por câmera também se tornaram importantes aliados da segurança nas rodovias. As chamadas câmeras OCR (Optical Character Recognition), por exemplo, fazem a leitura das placas dos veículos, tornando a fiscalização mais eficiente. E há também câmeras inteligentes com capacidade de identificar automaticamente situações fora do padrão, como a presença de pedestres ou de animais na pista, carros parados no acostamento ou circulando em direção contrária à do fluxo. Em casos assim, pop-ups de alerta são emitidos para chamar a atenção dos operadores, o que contribui decisivamente para assegurar a segurança, a fluidez do tráfego e a agilidade no atendimento de situações como acidentes e quebras de veículos.

O registro e a gestão eficiente de informações sobre o tráfego e os incidentes nas rodovias constituem outra ferramenta importante para melhorar a segurança. A partir de uma detalhada e ampla base de dados, intervenções são adotadas em diferentes pontos de diversas rodovias. Cada uma leva em consideração a causa mais frequente de ocorrência naquele trecho. Por exemplo: se naquela parte da estrada há maior incidência de pessoas que dormem ao volante, são colocados sonorizadores no chão.

Internet na rodovia

Outra inovação é a oferta de rede wifi ao longo das estradas, não para navegar na internet, mas para a comunicação entre usuários e a administração da rodovia sobre questões relativas à viagem. Trata-se de um avanço importante, assim como os navegadores que orientam os condutores a escolher os melhores caminhos e avisam sobre as condições das estradas. Uma parceria entre a Arteris e o Waze permite, por exemplo, o compartilhamento de informações entre os usuários do aplicativo e os sistemas de monitoramento das rodovias, beneficiando a todos.

Os especialistas elogiam esses avanços, mas lembram que é preciso alertar sempre os motoristas a não operar o celular enquanto dirigem. Segundo David Duarte, o uso do celular ao volante, seja falando ou digitando, aumenta as chances de acidentes, pois desvia a atenção do motorista e, muitas vezes, o faz tirar as mãos do volante para manusear o aparelho. Estudos já mostraram que ao desviar a atenção da direção por um segundo, um carro trafegando a uma velocidade de 60 km/h percorre 17 metros. Ou seja, com apenas seis segundos, andam-se 100 metros.

Dilemas de segurança dos carros autônomos

O avanço no desenvolvimento de veículos autônomos é outra questão levantada pelos especialistas. Como esses carros se comportariam numa situação de perigo? Eles vão priorizar a segurança dos ocupantes do veículo ou do pedestre? Essa ainda é uma discussão que está em jogo. Funcionando com inteligência artificial, os veículos autônomos têm uma programação inicial e também usam aprendizagem de máquina de acordo com o feedback que têm ao se deparar com situações reais.

Mas existem os conflitos. Se um carro autônomo em alta velocidade perceber um pedestre atravessando a pista fora da faixa ou da passarela, o que ele decidirá fazer: vai desviar, podendo capotar e colocar em risco a vida de seus ocupantes, ou optará pelo atropelamento? “Teorias dizem que o correto é tentar misturar, fazendo uma programação mista que equalize essa questão. O algoritmo calcularia o risco apostando na vitória dos dois lados. Mas não dá para saber se isso realmente vai acontecer, porque ainda tem muita discussão. Tecnologicamente, o carro autônomo está aí, mas as questões regulatórias de quem programa ainda têm muito a evoluir”, explica Marcia Asano, CEO da Hekima, empresa especializada em Big Data e Inteligência Artificial.

Vale lembrar que a ideia é que esses carros aumentem a segurança viária, tanto nas cidades como nas rodovias, pois são programados para respeitar a legislação e a sinalização viária de forma irrestrita, mas isso também vai precisar passar por um período de ajustes. “No início, pode causar estranheza e teremos que passar por um período de reeducação até que toda a sociedade se acostume. E serão necessárias mudanças na estrutura viária, como vias separadas para pedestres, ciclistas, motos, carros com motoristas e carros autônomos”, diz Marcia Asano. Viabilizar esses investimentos é importante desafio para todos os países.

Todos concordam, porém, que a tecnologia pode se tornar um dos maiores aliados da humanidade na missão de reduzir os acidentes e as fatalidades no trânsito. Mas a consciência, o respeito, a atenção e as ações humanas continuarão tendo um papel fundamental nesse caminho.

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