Saiba como serão as rodovias de 2030

05/09/2018 às 3:36 pm

Publicado em Estadão

Imagine que você está no ano de 2030 e pegou o carro para fazer uma viagem. Lembra dos congestionamentos que eram comuns dez, quinze anos atrás? Pois eles não existem mais. E sabe aquele medo que você sentia de ser atingido na rodovia por um veículo desgovernado? Também não faz mais sentido. Congestionamentos e acidentes foram reduzidos drasticamente graças a tecnologias como os veículos autônomos e o controle inteligente de tráfego – sem contar a melhora da qualidade do ar, que deve muito à chegada dos carros elétricos.

O cenário acima não faz parte de um filme de ficção científica. Ele foi traçado pela Economist Intellingence Unit (EIU), unidade de negócios da revista britânica The Economist dedicada a estudos em profundidade. A investigação, que recebeu o nome de Road Tech, foi concluída no segundo semestre do ano passado. Ela reuniu dados e ouviu grandes especialistas para mostrar os impactos que novas tecnologias em desenvolvimento em diversos locais do mundo terão sobre os atuais problemas do setor de transportes. E os desafios que os países terão de enfrentar para aproveitar seus benefícios.

Em entrevista exclusiva ao Media Lab Estadão, Melaine Noronha, editora do estudo, falou sobre essa questão. “O principal desafio é convencer os governos a tomar decisões de investimento em infraestrutura envolvendo tecnologias que podem ter se tornado obsoletas quando o projeto for concluído. Alguns preferem horizontes de investimento mais curtos para a infraestrutura viária futura”, ela afirma. “A colaboração entre setores e entidades governamentais nos níveis nacional, estadual e municipal é fundamental para o sucesso de grandes projetos de infraestrutura, mas pode ser difícil garantir a adesão de todos, especialmente em tecnologias mais radicais.”

Benefícios em várias frentes

O estudo procurou antecipar como será o mundo dos transportes em 2030. Em países ricos, os veículos autônomos podem representar até 40% do total nas estradas. Outra tecnologia em franca expansão, os carros elétricos farão com que dois em cada três postos de combustíveis passem a atuar também como pontos de recarga. Será possível ver caminhões autônomos e totalmente movidos a eletricidade trafegando em comboios – com um motorista pronto para assumir o comando em caso de necessidade, mas que na maioria do tempo estará cuidando de outros assuntos relacionados com o transporte da carga, assumindo a função de um operador logístico.

A expansão da frota de veículos elétricos e a redução dos congestionamentos trariam importantes benefícios ao meio ambiente. Nos Estados Unidos, as emissões de dióxido de carbono seriam reduzidas de 1,8 bilhão para 1,25 bilhão de toneladas ao ano. Na União Europeia, o impacto seria ainda maior: queda de 52% nas emissões de CO2.

A pesquisa reúne dados sobre os prejuízos que o trânsito causa hoje à economia, ao meio ambiente e à segurança das pessoas. Só em produtividade, gera perdas de US$ 1,4 trilhão ao ano no mundo. Os veículos são hoje responsáveis também por 22% das emissões de dióxido de carbono globalmente, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nos centros urbanos, cerca de 80% dos habitantes estão expostos a níveis de poluição acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Só nos países da União Europeia, a poluição do ar provoca perdas de US$ 1,4 trilhão e 450 mil mortes prematuras anualmente.

A Organização Mundial da Saúde atribui 1,25 milhão de mortes por ano aos acidentes de trânsito, um impacto de 3% do PIB de países ricos e até 5% em economias médias. “Cerca de 70% dos acidentes e ferimentos são causados por erro humanos involuntários. Isso ocorre porque não somos permanentemente competentes, nós cometemos erros”, diz José Viegas, secretário-geral do Fórum Internacional de Transporte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Tecnologias inteligentes

A solução para esses problemas chama-se inovação. Com base na evolução dos testes que vêm sendo realizados no mundo, a consultoria McKinsey estima que os veículos autônomos deverão reduzir em até 90% o número de acidentes. Segundo o Instituto de Transportes do Texas, a coordenação de sinalização reduz o consumo de combustível em 15% e as emissões de gases em 19%.

Em 2013, a União Europeia lançou um sistema de informações em tempo real e controle de tráfego chamado SafeTRIP. Um leitor nos carros envia informações via satélite para segurança rodoviária, respostas para emergências e escolha de rotas. A ideia evoluiu. “Nos Estados Unidos, 70% dos comunicados sobre acidentes são relatados às centrais de tráfego primeiro pelo Waze e só depois pelo telefone de emergências”, diz Di-Ann Eisnor, diretora de desenvolvimento do Waze. “Consequentemente, os primeiros socorros estão chegando ao local do acidente entre quatro e sete minutos antes.”

O mesmo se espera para o transporte de carga, com expansão de soluções tecnológicas. Experimentos para criar os comboios de caminhões autônomos estão em andamento em Cingapura e alguns países da Europa.

Oportunidades e desafios

Para o futuro, há oportunidades por toda a parte. Um exemplo são as novas necessidades dos veículos elétricos, cuja frota ultrapassou 3 milhões de unidades em 2017 e deve chegar a 127 milhões em 2030, segundo a Agência Internacional de Energia. Já estão em teste no mundo rodovias que oferecem carregamento sem fio para veículos em movimento, pelo sistema de indução. Uma promessa ainda mais avançada, mas que ainda não se provou viável para ser aplicada no sistema de transporte rodoviário, é a tecnologia piezoelétrica, que converte pressão mecânica em eletricidade, gerando energia a partir do próprio peso dos veículos trafegando sobre as pistas. Também há testes em diferentes países de rodovias cujo piso é composto por painéis de geração de energia solar.

Embora existam muitas empresas investindo no desenvolvimento dessas tecnologias, sua adoção depende de outros fatores. A expansão tanto de veículos autônomos quanto dos elétricos exige apoios regulatórios e investimentos em infraestrutura. Um estudo da McKinsey, de 2015, calculou um déficit no financiamento para o setor de US$ 11,4 trilhões no período de 2016 a 2030. Um número semelhante foi estimado pelo Boston Consulting Group: faltarão entre US$ 1 trilhão e US$ 1,5 trilhão por ano no mundo para investimentos em infraestrutura rodoviária.

A solução, segundo os especialistas, deve vir de uma combinação de investimentos públicos com parcerias com a iniciativa privada. “O transporte rodoviário está muito atrás de outras modalidades de transporte em termos de raciocínio sistêmico,” explica Steven Shladover, gerente de programa no Instituto de Estudo de Transportes, Universidade da Califórnia, Berkeley. “Parte disso ocorre porque os veículos têm sido o foco do setor privado e a infraestrutura rodoviária tem sido o foco do setor público.”

Mais do que nunca, o caminho para aumentar a eficiência dos transportes e melhorar a segurança no trânsito depende da união dos dois setores.

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