Mortes no trânsito: Covid-19 reforça a urgência da segurança viária

01/06/2020 às 11:56 am

Com uma agenda relevante de eventos globais, 2020 deveria ser um ano-chave para a segurança viária e o enfrentamento às mortes no trânsito no mundo. Então, veio a pandemia do Covid 19. O novo coronavírus centralizou as atenções, mas também tornou os desafios da segurança no trânsito ainda mais evidentes. Em um cenário em que mais de 1 milhão e 300 mil pessoas perdem suas vidas anualmente nas vias de circulação do planeta, a pandemia aumentou a pressão sobre sistemas de saúde, alterou a mobilidade urbana e reforçou a necessidade de fazermos o possível para promover mais segurança e qualidade de vida nas cidades.

O ano começou com a Declaração de Estocolmo. Durante a 3ª Conferência Ministerial Global sobre Segurança no Trânsito, realizada na Suécia no mês de fevereiro, líderes de cerca de 140 países se comprometeram a reduzir os óbitos no trânsito pela metade até 2030. O novo contexto definido pela Covid-19 mudou o foco desviando as ações prioritárias focadas em uma das maiores causas de fatalidade no mundo – o trânsito – para o necessário enfrentamento do vírus, que já matou centenas de milhares de pessoas. Esse número tende a crescer à medida que o novo coronavírus continua a se expandir e disseminar, incluindo muitas áreas vulneráveis, como as periferias de cidades remotas brasileiras. E o impacto se dá sobre o mesmo sistema de saúde do qual dependem as vítimas do trânsito. No Brasil, são cerca mais de 35 mil mortes por ano e, para cada morte, 7 internações são feitas em UTIs. O Sistema Único de Saúde (SUS) acaba absorvendo essa demanda,  gerando um custo de cerca de R$ 52 bilhões anuais, além de sobrecarregar ainda mais as unidades de saúde que poderiam ser utilizadas no combate à maior pandemia do século.

Isolamento reduz exposição, mas imprudência cresce

Medidas de isolamento e restrição ao convívio social esvaziaram as ruas das cidades. Por conta da pandemia essas restrições reduziram a exposição das pessoas, o que também contribuiu para reduzir lesões e mortes no trânsito. Porém, embora o volume de acidentes tenha diminuído, a severidade das ocorrências aumentou. Ruas e estradas mais vazias têm levado a um aumento de comportamentos de risco com veículos trafegando em excesso de velocidade, desrespeitando a sinalização de trânsito e, alguns, até promovendo competições não autorizadas, verdadeiros crimes de trânsito, e exibindo em larga escala comportamentos de risco ao volante publicando esse comportamento condenável nas redes sociais.  (Veja AQUI matéria do Portal sobre o assunto).

Os dados disponíveis mostram que essa perspectiva realmente se confirma em algumas cidades do país. Porto Alegre e Goiânia divulgaram dados mostrando um aumento de 47% e 79%, respectivamente, no aumento de infrações por excesso de velocidade em relação ao mesmo período de 2019. Velocidade é o principal fator de risco nos acidentes de trânsito e isso ajuda a explicar a diferença percentual entre as reduções de acidentes e de óbitos. Não se pode contar somente com a diminuição da exposição a partir da redução de fluxo de veículos nas ruas como estratégia para reduzir mortes no trânsito. São necessárias ações específicas permanentes e não episódicas (como a promovida pela pandemia) que aumentem a segurança da circulação e a proteção dos usuários das vias. Afinal, num cenário de retomada da vida normal, é perfeitamente previsível que os acidentes aumentem na mesma proporção que o isolamento social venha a ser flexibilizado. O contexto atual gera uma necessidade urgente de mudanças que repensem o contexto das ruas de uma forma abrangente, seu desenho e como são usadas.

Segurança na retomada. O que é possível fazer?

Reduções de velocidade – A redução dos limites de velocidades em ambientes urbanos, como recomenda a Organização Mundial da Saúde, nunca foi tão necessária quanto agora. A oportunidade de combater o crescimento das fatalidades no trânsito e evitar uma sobrecarga para o sistema de saúde no enfrentamento à pandemia da Covid-19 deve começar pela redução dos limites de velocidade. Pesquisas mostram que cada 1,6 km/h de redução na velocidade dos veículos em vias urbanas resulta em uma diminuição de 6% nas fatalidades de tráfego. Um pedestre tem 90% de chances de sobrevivência se for atingido por um veículo movendo-se a 30 km/h.

Novos padrões de desenho viário – Todo o contexto desencadeado pela pandemia proporciona uma chance única para que gestores de prefeituras e dos órgãos estaduais e nacionais repensem padrões de desenhos viários que levem em conta o distanciamento social. Padrões que anteriormente consideravam suficiente uma determinada largura de calçada ou ciclovia, agora precisam ser repensados.

Zonas sem circulação de carros – Determinadas áreas das cidades, em geral áreas turísticas e centros comerciais que têm maior fluxo de pedestres e ciclistas, acabam criando mais aglomeração de pessoas. Uma iniciativa já adotada por algumas cidades e que concilia o enfrentamento aos desafios de segurança viária e da pandemia da Covid-19 é a criação de área exclusivas para pedestres e ciclistas, as chamadas “Car-Free Zones”.

O Novo Agora

Ainda é difícil dizer se haverá um cenário pós-pandemia em curto espaço ou se conviveremos com essa realidade por mais tempo. Mas fica claro que há urgência em mudarmos a maneira como dividimos e usamos os espaços público com veículos e pedestres. A relação das pessoas com as cidades vai mudando pouco a pouco e, cada vez mais, elas passam a enxergar a importância do uso das vias de circulação de forma mais humana e segura.

A constatação óbvia de que o trânsito causa impacto comparável ao da pandemia que colocou o mundo em isolamento e luto reforça a importância de promover ruas mais segurar para todos. Isso exige empregar os recursos ao nosso alcance para que os atores desse complexo conhecido como “transporte & mobilidade”, integrados pelo poder público, empresas privadas, vias, condutores, passageiros e pedestres sejam todos agentes efetivos da prevenção às mortes e sequelas do trânsito.

 

Fonte: WRI Brasil

 

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